MOMENTOS DE POESIA
quarta-feira, abril 11, 2018
FLASHBACK
Podia ser aí. Contigo. Com o teu corpo
ainda nu, ou vestido da luz que entra pelas
persianas velhas, trazendo a tremura
das folhas na trepadeira do quintal.
.
Podia ser de manhã, ou de madrugada,
sabendo que teria de te abraçar para que não
desses pelo frio, com o quarto ainda
húmido da noite, num fim de outono.
.
Podia não ter sido nunca, se não fossem
assim as coisas: a tua mão ao encontro da
minha, no tampo da mesa, como se fosse
aí que tudo se jogasse, entre duas mãos.
.
NUNO JÚDICE
terça-feira, março 13, 2018
O QUE DEIXO POR LEGADO
Molda-se por dentro
a chave com que me abro.
Já não
sei do meu princípio.
De nascença
não sou de alma, mas de pedra.
Eis o que deixo:
de todos os tamanhos, os sonhos
de todas as cores, os amores.
Se achardes magra a herança
em meus versos buscai
uns poucos e inábeis milagres,
palavras que acreditava inventar
e que era a mim que inventavam.
Não terei, no fim,
senão uma única morada:
a luz que nasce nos olhos teus.
MIA COUTO
Foto de Aleksandr Krivickij
quarta-feira, fevereiro 28, 2018
A NOITE É TRISTE ...
A noite é triste ...
- faz lembrar a lua
Perdida além na vastidão do espaço
Naquela rua aquietada, nua,
Guitarras gemem quando nela passo ...
Guitarras gemem músicas sombrias,
Penas de alguém que se perdeu no mar ...
Músicas - máguas, sombras - sinfonias,
Notas doridas
- ondas a quebrar ...
Notas doridas de um amor ausente ...
Na rua escura, quando nela passo,
Acorda a vida
- languidez silente,
Canção perdida no tempo e no espaço ...
DANIEL FILIPE
domingo, fevereiro 18, 2018
SONHO DOMADO
Sei que é preciso sonhar
Campo sem orvalho, seca
a frente de quem não sonha.
Quem não sonha o azul do voo
perde seu poder de pássaro.
A realidade da relva
cresce em sonho no sereno
para não ser relva apenas,
mas a relva que se sonha.
Não vinga o sonho da folha
se não crescer incrustado
no sonho que se fez árvore.
Sonhar, mas sem deixar nunca
que o sol do sonho se arraste
pelas campinas do vento.
É sonhar, mas cavalgando
o sonho e inventando o chão
para o sonho florescer.
THIAGO DE MELLO
In Mormaço na Floresta, 1981
Amadeu Thiago de Mello (Barreirinha, 30 de março de 1926) é um poeta e tradutor brasileiro.
Natural do Estado do Amazonas, é um dos poetas mais influentes e respeitados no país, reconhecido como um ícone da literatura regional.
quarta-feira, fevereiro 14, 2018
CANÇÃO DE AMOR
Amo-te muito
Como se já te amasse assim há muito.
Amo-te tanto
Como se fosse apenas por enquanto.
Amo-te como quem partiu
Sabendo, ao partir, que já chegou.
Amo-te como amo aquilo que te dou.
Amo-te como um vinho antigo
Um mosto doce.
Amo-te como a Primavera
Que te trouxe.
Quero-te como se te amasse por encanto.
Só sei amar-te assim
Como se fosse a mim.
E quero amar-te
E quero dar-me sempre a ti
constantemente.
A um tempo só:
O futuro e o passado no presente.
E a ternura, esse fogo
Que acendemos mão na mão
Seja sempre amor
Sem deixar de ser paixão
FERNANDO TAVARES RODRIGUES
Como se já te amasse assim há muito.
Amo-te tanto
Como se fosse apenas por enquanto.
Amo-te como quem partiu
Sabendo, ao partir, que já chegou.
Amo-te como amo aquilo que te dou.
Amo-te como um vinho antigo
Um mosto doce.
Amo-te como a Primavera
Que te trouxe.
Quero-te como se te amasse por encanto.
Só sei amar-te assim
Como se fosse a mim.
E quero amar-te
E quero dar-me sempre a ti
constantemente.
A um tempo só:
O futuro e o passado no presente.
E a ternura, esse fogo
Que acendemos mão na mão
Seja sempre amor
Sem deixar de ser paixão
FERNANDO TAVARES RODRIGUES
sábado, fevereiro 10, 2018
NESTE DIA DE MAR E NEVOEIRO
Neste dia de mar e nevoeiro
É tão próximo o teu rosto
São os longos horizontes
Os ritmos soltos dos ventos
E aquelas aves
Que desde o princípio das estações
Fizeram ninhos e emigraram
Para que num dia inverso tu as visses
Aquelas aves que tinham
uma memória eterna do teu rosto
E voam sempre dentro do teu sonho
Como se o teu olhar as sustentasse
Sophia de Mello Breyner Andresen
Foto de Dimitr Stoyanov
sexta-feira, fevereiro 09, 2018
CISMAR
Ai! quando de noite, sozinha à janela
Co'a face na mão te vejo ao luar,
Por que, suspirando, tu sonhas, donzela?
A noite vai bela,
E a vista desmaia
Ao longe na praia
Do mar!
Por quem essa lágrima orvalha-te os dedos,
Como água da chuva cheiroso jasmim?
Na cisma que anjinho te conta segredos?
Que pálidos medos?
Suave morena,
Acaso tens pena
De mim?
Donzela sombria, na brisa não sentes
A dor que um suspiro em meus lábios tremeu?
E a noite, que inspira no seio dos entes
Os sonhos ardentes,
Não diz-te que a voz
Que fala-te a sós
Sou eu?
Acorda! Não durmas da cisma no véu!
Amemos, vivamos, que amor é sonhar!
Um beijo, donzela! Não ouves? no céu
A brisa gemeu...
As vagas murmuraram...
As folhas sussurram:
Amar!
ALVARES DE AZEVEDO
Co'a face na mão te vejo ao luar,
Por que, suspirando, tu sonhas, donzela?
A noite vai bela,
E a vista desmaia
Ao longe na praia
Do mar!
Por quem essa lágrima orvalha-te os dedos,
Como água da chuva cheiroso jasmim?
Na cisma que anjinho te conta segredos?
Que pálidos medos?
Suave morena,
Acaso tens pena
De mim?
Donzela sombria, na brisa não sentes
A dor que um suspiro em meus lábios tremeu?
E a noite, que inspira no seio dos entes
Os sonhos ardentes,
Não diz-te que a voz
Que fala-te a sós
Sou eu?
Acorda! Não durmas da cisma no véu!
Amemos, vivamos, que amor é sonhar!
Um beijo, donzela! Não ouves? no céu
A brisa gemeu...
As vagas murmuraram...
As folhas sussurram:
Amar!
ALVARES DE AZEVEDO
quinta-feira, janeiro 25, 2018
TU HABITAS EM MIM
TU HABITAS EM MIM
.
Tu habitas em mim, eu sinto-te fremir,
Balsâmico frescor, em cada fibra minha.
Caminho iluminado duns olhos a sorrir
E não me importa a vida medíocre, mesquinha.
.
Basta-me a tua alma eleita, meu amor,
P´ra me sentir erguer duma existência inerme:
- Transmites uma força, induzes um calor
Que sinto aflorar em ondas à epiderme.
.
E eu que vegetava (amarga letargia
Que submerge a alma em vagas de não-ser)
Rebento com furor os elos da apatia
E gozo a alegria imensa de viver.
.
António Almeida
.
Foto de Aleksandr Krivickij
.
terça-feira, janeiro 02, 2018
OS AMANTES DE NOVEMBRO
Ruas e ruas dos amantes
Sem um quarto para o amor
Amantes são sempre extravagantes
E ao frio também faz calor
Pobres amantes escorraçados
Dum tempo sem amor nenhum
Coitados tão engalfinhados
Que sendo dois parecem um
De pé imóveis transportados
Como uma estátua erguida num
Jardim votado ao abandono
De amor juncado e de outono.
ALEXANDRE O`NEILL
Art - Pintura de Kristodulakis
Sem um quarto para o amor
Amantes são sempre extravagantes
E ao frio também faz calor
Pobres amantes escorraçados
Dum tempo sem amor nenhum
Coitados tão engalfinhados
Que sendo dois parecem um
De pé imóveis transportados
Como uma estátua erguida num
Jardim votado ao abandono
De amor juncado e de outono.
ALEXANDRE O`NEILL
Art - Pintura de Kristodulakis
quarta-feira, dezembro 27, 2017
RENÚNCIA
Renunciar. Todo o bem que a vida trouxe,
toda a expressão do humano sofrimento.
A gente esquece assim como se fosse
um voo de andorinha em céu nevoento.
Anoiteceu de súbito. Acabou-se
tudo... A miragem do deslumbramento...
Se a vida que rolou no esquecimento
era doce, a saudade inda é mais doce.
Sofre de ânimo forte, alma intranquila!
Resume na lembrança de um momento
teu amor. Olha a noite: ele cintila.
Que o grande amor, quando a renúncia o invade
fica mais puro porque é pensamento,
fica muito maior porque é saudade.
OLEGÁRIO MARIANO
OLEGÁRIO MARIANO CARNEIRO DA CUNHA (Olegário Mariano), poeta, político e diplomata. Nasceu em Recife - PE, em 24 de março de 1889, e faleceu no Rio de Janeiro - RJ, em 28 de novembro de 1958.
.
Foto de Anna Gorbenko
quinta-feira, dezembro 07, 2017
SONETO
Pára-me de repente o pensamento
Como que de repente refreado
Na doida correria em que levado
Ia em busca da paz, do esquecimento ...
Pára surpreso, escrutador, atento,
Como pára um cavalo alucinado
Ante um abismo súbito rasgado ...
Pára e fica e demora-se um momento
Pára e fica na doida correria ...
Pára à beira do abismo e se demora
E mergulha na noite escura e fria
Um olhar de aço que essa noite explora ...
Mas a espora da dor seu flanco estria
E ele galga e prossegue sob a espora .
ANGELO DE LIMA
(1872/1921)
Foto de Wahid Nour Eldin
quarta-feira, dezembro 06, 2017
A TUA ROSA
A bela rosa é a que tenho na mão
quando o amor faz durar cada instante,
e em cada segundo se ouve o coração
que faz bater o pulso do amante.
Abro-a com os dedos, até ao fundo,
e vejo-a fechar-se quando se oferece,
os olhos prendendo ao seu secreto mundo,
de cada vez que a olho e ela me esquece.
Nenhuma rosa é como esta, que eu amo,
ao vê-la nascer de um campo de alegria:
tem a púrpura do teu rosto, quente e fria,
e a pureza da tua voz que eu reclamo.
Assim, nunca outro amor teve uma tal flor,
e é à minha vida que dás a sua cor.
Nuno Júdice
In O Estado dos Campos
Foto de Zeca
quinta-feira, novembro 30, 2017
BRINCADEIRA
Brinca comigo à procura
de uma estrela noutro céu
Brinca e lava a noite escura
com os sonhos que Deus te deu
de uma estrela noutro céu
Brinca e lava a noite escura
com os sonhos que Deus te deu
Começa devagarinho
– por favor, não tenhas medo,
que o meu coração fez ninho
dentro do teu em segredo
– por favor, não tenhas medo,
que o meu coração fez ninho
dentro do teu em segredo
Acorda os anjos que dormem
com a luz do teu sorriso
Faz com que não se conformem
e saiam do paraíso
com a luz do teu sorriso
Faz com que não se conformem
e saiam do paraíso
Deixa-os entrar de repente
no teu quarto, a esta hora
em que a verdade mais quente
é o sono que te devora
no teu quarto, a esta hora
em que a verdade mais quente
é o sono que te devora
Brinca comigo às escuras,
ensina-me o que não sei
Onde estás? Porque procuras
o coração que te dei?
ensina-me o que não sei
Onde estás? Porque procuras
o coração que te dei?
Fernando Pinto do Amaral
domingo, novembro 26, 2017
QUANTAS VEZES TE ESPEREI NESTE LUGAR ...
Quantas vezes te esperei neste lugar
quantas vezes pensei que não chegavas
quantas vezes senti a rebentar
o coração se ao longe te avistava.
quantas vezes pensei que não chegavas
quantas vezes senti a rebentar
o coração se ao longe te avistava.
Quantas vezes depois de teres chegado
nos colámos no beijo que tardava
quantas vezes trementes e calados
nos entregámos logo sem palavras.
nos colámos no beijo que tardava
quantas vezes trementes e calados
nos entregámos logo sem palavras.
Quantas vezes te quis e te inventei
quantas vezes morri e já não sei.
quantas vezes morri e já não sei.
Torquato da Luz
Foto Remi Aerts
quarta-feira, novembro 22, 2017
QUASE NADA
Tenho-te aqui ao meu lado;
se quiser tenho na mão
teus cabelos negros, negros;
acaricio o teu rosto
com trejeitos meigos, sábios.
Se quiser beijo os teus lábios;
se quiser tenho o teu corpo
esbelto, de ébano loiro...
Tudo em ti me faz lembrar
que tenho um lindo tesoiro!
Não é preciso falar,
que é bela a nossa paixão,
sobre o chão
à luz da vela!
Se eu quisesse confessava
que eras agora o meu mundo.
Gosto de ti!
Sei que é pouco!
Sendo pouco,
É quase tudo!
Humberto Sotto Mayor
Foto de Svetlana Melik-Nubarova
acaricio o teu rosto
com trejeitos meigos, sábios.
Se quiser beijo os teus lábios;
se quiser tenho o teu corpo
esbelto, de ébano loiro...
Tudo em ti me faz lembrar
que tenho um lindo tesoiro!
Não é preciso falar,
que é bela a nossa paixão,
sobre o chão
à luz da vela!
Se eu quisesse confessava
que eras agora o meu mundo.
Gosto de ti!
Sei que é pouco!
Sendo pouco,
É quase tudo!
Humberto Sotto Mayor
Foto de Svetlana Melik-Nubarova
terça-feira, novembro 21, 2017
MEU ANJO, ESCUTA
Meu anjo, escuta: quando junto à noite
Perpassa a brisa pelo rosto teu,
Como suspiro que um menino exala;
Na voz da brisa quem murmura e fala
Brando queixume, que tão triste cala
No peito teu?
Sou eu, sou eu, sou eu!
Quando tu sentes lutuosa imagem
D'aflito pranto com sombrio véu,
Rasgado o peito por acerbas dores;
Quem murcha as flores
Do brando sonho? — Quem te pinta amores
Dum puro céu?
Sou eu, sou eu, sou eu!
Se alguém te acorda do celeste arroubo,
Na amenidade do silêncio teu,
Quando tua alma noutros mundos erra,
Se alguém descerra
Ao lado teu
Fraco suspiro que no peito encerra;
Sou eu, sou eu, sou eu!
Se alguém se aflige de te ver chorosa,
Se alguém se alegra co'um sorriso teu,
Se alguém suspira de te ver formosa
O mar e a terra a enamorar e o céu;
Se alguém definha
Por amor teu,
Sou eu, sou eu, sou eu!
GONÇALVES DIAS
(poeta e teatrólogo brasileiro . 1823/1864)
Foto de Anton Postnikov
Na voz da brisa quem murmura e fala
Brando queixume, que tão triste cala
No peito teu?
Sou eu, sou eu, sou eu!
Quando tu sentes lutuosa imagem
D'aflito pranto com sombrio véu,
Rasgado o peito por acerbas dores;
Quem murcha as flores
Do brando sonho? — Quem te pinta amores
Dum puro céu?
Sou eu, sou eu, sou eu!
Se alguém te acorda do celeste arroubo,
Na amenidade do silêncio teu,
Quando tua alma noutros mundos erra,
Se alguém descerra
Ao lado teu
Fraco suspiro que no peito encerra;
Sou eu, sou eu, sou eu!
Se alguém se aflige de te ver chorosa,
Se alguém se alegra co'um sorriso teu,
Se alguém suspira de te ver formosa
O mar e a terra a enamorar e o céu;
Se alguém definha
Por amor teu,
Sou eu, sou eu, sou eu!
GONÇALVES DIAS
(poeta e teatrólogo brasileiro
Foto de Anton Postnikov
domingo, novembro 19, 2017
CANÇÃO DE ENGANAR A TRISTEZA
Se a tristeza um dia
te encontrar triste sózinho
trata bem dela
porque a tristeza quer carinho
E fala sobre a beleza
com tanta delicadeza
Por não ter nenhum carinho
que ela só existe
por não ter nenhum carinho
E dá-lhe um amor tão lindo
que quando ela se for indo
ela vai contente
de ter tido o teu carinho
Vinícius de Moraes
sábado, novembro 11, 2017
CARTA A ÂNGELA - CARLOS OLIVEIRA
Para ti, meu amor, é cada sonho
de todas as palavras que escrever,
cada imagem de luz e de futuro,
cada dia dos dias que viver.
Os abismos das coisas, quem os nega,
se em nós abertos inda em nós persistem?
Quantas vezes os versos que te dou
na água dos teus olhos é que existem!
Quantas vezes chorando te alcancei
e em lágrimas de sombra nos perdemos!
As mesmas que contigo regressei
ao ritmo da vida que escolhemos!
Mais humana da terra dos caminhos
e mais certa, dos erros cometidos,
foste de novo, e de sempre, a mão da esperança
nos meus versos errantes e perdidos.
Transpondo os versos vieste à minha vida
e um rio abriu-se onde era areia e dor.
Porque chegaste à hora prometida
aqui te deixo tudo, meu amor!
Carlos Alberto Serra de Oliveira (n.em Belém do Pará a 10 de Ago 1921, m. em Lisboa a 1 Jul de 1981)
de todas as palavras que escrever,
cada imagem de luz e de futuro,
cada dia dos dias que viver.
Os abismos das coisas, quem os nega,
se em nós abertos inda em nós persistem?
Quantas vezes os versos que te dou
na água dos teus olhos é que existem!
Quantas vezes chorando te alcancei
e em lágrimas de sombra nos perdemos!
As mesmas que contigo regressei
ao ritmo da vida que escolhemos!
Mais humana da terra dos caminhos
e mais certa, dos erros cometidos,
foste de novo, e de sempre, a mão da esperança
nos meus versos errantes e perdidos.
Transpondo os versos vieste à minha vida
e um rio abriu-se onde era areia e dor.
Porque chegaste à hora prometida
aqui te deixo tudo, meu amor!
Carlos Alberto Serra de Oliveira (n.em Belém do Pará a 10 de Ago 1921, m. em Lisboa a 1 Jul de 1981)
quarta-feira, novembro 08, 2017
NU
Quando estás vestida,
Ninguém imagina
Os mundos que escondes
Sob as tuas roupas.
Assim, quando é dia,
Não temos noção
Dos astros que luzem
No profundo céu.
Mas a noite é nua,
E, nua na noite,
Palpitam teus mundos
E os mundos da noite.
Brilham teus joelhos,
Brilha o teu umbigo,
Brilha toda a tua
Lira abdominal.
Teus exíguos
- Como na rijeza
Do tronco robusto
Dois frutos pequenos –
Brilham. Ah, teus seios!
Teus duros mamilos!
Teu dorso! Teus flancos!
Ah, tuas espáduas!
Se nua, teus olhos
Ficam nus também:
Teu olhar, mais longe,
Mais lento, mais líquido.
Então, dentro deles,
Bóio, nado, salto
Baixo num mergulho
Perpendicular.
Baixo até o mais fundo
De teu ser, lá onde
Me sorri tu’alma
Nua, nua, nua...
Manoel Bandeira
Foto de Tailer Derden
UN SOUVENIR HEUREUX
UN SOUVENIR HEUREUX
Un souvenir heureux est peut-être sur terre
Plus vrai que le bonheur.
ALFRED DE MUSSET
Ó musa, por que vieste
E contigo me trouxeste
A vagar na solidão?
Tu não sabes que a lembrança
De meus anos de esperança
Aqui fala ao coração?
Não sabes o quanto dói
Uma lembrança que rói
A fibra que adormeceu?...
Foi neste vale que amei,
Que a primavera sonhei,
Aqui minh'alma viveu.

Eu vejo ainda a janela
Onde, à tarde, junto dela
Eu lia versos de amor...
Como eu vivia d'enleio
No bater daquele seio,
Naquele aroma de flor!
Creio vê-la inda formosa,
Nos cabelos uma rosa,
De leve a janela abrir...
Tão bela, meu Deus, tão bela!
Por que amei tanto, donzela,
Se devias me trair?

Minh'alma triste se enluta,
Quando a voz interna escuta
Que blasfema da esperança...
Aqui tudo se perdeu,
Minha pureza morreu
Com o enlevo de criança!
Ali, amante ditoso,
Delirante, suspiroso,
Eflúvios dela sorvi,
No seu colo eu me deitava...
E ela tão doce cantava!
De amor e canto vivi!
Na sombra deste arvoredo
Oh! quantas vezes a medo
Nossos lábios se tocaram!
E os seios, onde gemia
Uma voz que amor dizia,
Desmaiando me apertaram!
Foi doce nos braços teus,
Meu anjo belo de Deus,
Um instante do viver...
Tão doce, que em mim sentia
Que minh'alma se esvaía...
E eu pensava ali morrer!
ÁLVARES DE AZEVEDO
1831/1852
domingo, novembro 05, 2017
A CURVA DOS TEUS OLHOS...
A curva dos teus olhos dá a volta ao meu peito
É uma dança de roda e de doçura.
Berço nocturno e auréola do tempo,
Se já não sei tudo o que vivi
É que os teus olhos não me viram sempre.
É uma dança de roda e de doçura.
Berço nocturno e auréola do tempo,
Se já não sei tudo o que vivi
É que os teus olhos não me viram sempre.
Folhas do dia e musgos do orvalho,
Hastes de brisas, sorrisos de perfume,
Asas de luz cobrindo o mundo inteiro,
Barcos de céu e barcos do mar,
Caçadores dos sons e nascentes das cores.
Hastes de brisas, sorrisos de perfume,
Asas de luz cobrindo o mundo inteiro,
Barcos de céu e barcos do mar,
Caçadores dos sons e nascentes das cores.
Perfume esparso de um manancial de auroras
Abandonado sobre a palha dos astros,
Como o dia depende da inocência
O mundo inteiro depende dos teus olhos
E todo o meu sangue corre no teu olhar.
Abandonado sobre a palha dos astros,
Como o dia depende da inocência
O mundo inteiro depende dos teus olhos
E todo o meu sangue corre no teu olhar.
Paul Eluard
(1895-1952)
(1895-1952)
sábado, novembro 04, 2017
FRESCO VERGEL ...
Fresco vergel que o vento
da madrugada enflora:
da madrugada enflora:
As mãos são como foices
que vão ceifando a aurora.
que vão ceifando a aurora.
Disperso, o amor recorda
a vida toda.
a vida toda.
RAUL DE CARVALHO.
In Poesia.
In Poesia.
domingo, outubro 29, 2017
SONETO DE CONTRICÇÃO
Eu te amo, Maria, eu te amo tanto
Que o meu peito me dói como em doença
E quanto mais me seja a dor intensa
Mais cresce na minha alma teu encanto.
Como a criança que vagueia o canto
Ante o mistério da amplidão suspensa
Meu coração é um vago de acalanto
Berçando versos de saudade imensa.
Não é maior o coração que a alma
Nem melhor a presença que a saudade
Só te amar é divino, e sentir calma...
E é uma calma tão feita de humildade
Que tão mais te soubesse pertencida
Menos seria eterno em tua vida.
VINICIUS DE MORAES
Foto de Игорь
quinta-feira, outubro 26, 2017
FOI SEMPRE TÃO INCERTO ...
Foi sempre tão incerto o caminho até ti:
tantos meses de pedras e de espinhos, de
maus presságios, de ramos que rasgavam a
carne como forquilhas, de vozes que me
diziam que não valia a pena continuar, que
o teu olhar era já uma mentira; e o meu
coração sempre tão surdo para tudo isso,
sempre a gritar outra coisa mais alto para
que as pernas não pudessem recordar as
suas feridas, para que os pés ignorassem
as penas da viagem e avançassem todos
os dias mais um pouco, esse pouco que
era tudo para te alcançar.
Foi por isso que, ao contrário de ti, não quis
dormir nessa noite: os teus beijos ainda estavam todos
na minha boca e o desenho das tuas mãos
na minha pele. Eu sabia que adormecer
era deixar de sentir, e não queria perder os
teus gestos no meu corpo um segundo que
fosse. Então sentei-me na cama a ver-te
dormir, e sorri como nunca sorrira antes
dessa noite, sorri tanto.
Mas tu falaste de repente do meio do teu sono,
estendeste o braço na minha direcção e chamaste baixinho.
Chamaste duas vezes. Ou três. E sempre tão
baixinho. Mas nenhuma foi pelo meu nome.
.
Maria do Rosário Pedreira (Escritora e poetisa portuguesa, 1959- )
quarta-feira, outubro 25, 2017
OS SILÊNCIOS
OS SILÊNCIOS
Não entendo os silêncios
que tu fazes
nem aquilo que espreitas
só comigo
que tu fazes
nem aquilo que espreitas
só comigo
Se escondes a imagem
e a palavra
e adivinhas aquilo que não
digo
e a palavra
e adivinhas aquilo que não
digo
Se te calas
eu oiço e eu invento
Se tu foges
eu sei, não te persigo
eu oiço e eu invento
Se tu foges
eu sei, não te persigo
Estendo-te as mãos
dou-te a minha alma
e continuo a querer
ficar contigo
dou-te a minha alma
e continuo a querer
ficar contigo
Maria Teresa Horta
segunda-feira, outubro 16, 2017
PALAVRAS MINHAS
Palavras que disseste e já não dizes,
palavras como um sol que me queimava,
olhos loucos de um vento que soprava
em olhos que eram meus, e mais felizes.
Palavras que disseste e que diziam
segredos que eram lentas madrugadas,
promessas imperfeitas, murmuradas
enquanto os nossos beijos permitiam.
Palavras que dizias, sem sentido,
sem as quereres, mas só porque eram elas
que traziam a calma das estrelas
à noite que assomava ao meu ouvido...
Palavras que não dizes, nem são tuas,
que morreram, que em ti já não existem
- que são minhas, só minhas, pois persistem
na memória que arrasto pelas ruas.
palavras como um sol que me queimava,
olhos loucos de um vento que soprava
em olhos que eram meus, e mais felizes.
Palavras que disseste e que diziam
segredos que eram lentas madrugadas,
promessas imperfeitas, murmuradas
enquanto os nossos beijos permitiam.
Palavras que dizias, sem sentido,
sem as quereres, mas só porque eram elas
que traziam a calma das estrelas
à noite que assomava ao meu ouvido...
Palavras que não dizes, nem são tuas,
que morreram, que em ti já não existem
- que são minhas, só minhas, pois persistem
na memória que arrasto pelas ruas.
PEDRO TAMEN
Foto de Hamanov Vladimir
Foto de Hamanov Vladimir
quarta-feira, outubro 11, 2017
VOZ DO OUTONO
VOZ DO OUTONO
Ouve tu, meu cansado coração,
O que te diz a voz da Natureza:
‑ "Mais te valera, nu e sem defesa,
Ter nascido em aspérrima solidão,
Ter gemido, ainda infante, sobre o chão
Frio e cruel da mais cruel devesa,
Do que embalar-te a Fada da Beleza,
Como embalou, no berço da Ilusão!
Mais valera à tua alma visionária
Silenciosa e triste ter passado
Por entre o mundo hostil e a turba vária,
(Sem ver uma só flor, das mil, que amaste)
Com ódio e raiva e dor... que ter sonhado
Os sonhos ideais que tu sonhaste!" ‑
Antero de Quental
Foto de Silvia Marmori
Foto de Silvia Marmori
domingo, outubro 08, 2017
TUA AUSÊNCIA
Tua ausência cala o mundo,
o mar, os ventos.
Tua ausência desaba
silenciosamente
sobre os meus dias, soterrando
meu outono…
ela magoa demais o meu sossego.
(Tua ausência é essa substância densa)
Tua ausência é tão presente que é pessoa…
E me abraça.
Marla de Queiroz
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sexta-feira, outubro 06, 2017
ESCREVE-ME
ESCREVE-ME ...
.
Escreve-me! Ainda que seja só
Uma palavra, uma palavra apenas,
Suave como o teu nome e casta...
Como um perfume casto d'açucenas!
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Escreve-me! Ainda que seja só
Uma palavra, uma palavra apenas,
Suave como o teu nome e casta...
Como um perfume casto d'açucenas!
Escreve-me! Há tanto, há tanto tempo
Que te não vejo, amor! Meu coração
Morreu já, e no mundo aos pobres mortos
Ninguém nega uma frase d'oração! "Amo-te!"
Cinco letras pequeninas,
Folhas leves e tenras de boninas,
Um poema d'amor e felicidade!
Não queres mandar-me esta palavra apenas?
Olha, manda então...brandas...serenas...
Cinco pétalas roxas de saudade...
Florbela Espanca
(1894-1930)
Que te não vejo, amor! Meu coração
Morreu já, e no mundo aos pobres mortos
Ninguém nega uma frase d'oração! "Amo-te!"
Cinco letras pequeninas,
Folhas leves e tenras de boninas,
Um poema d'amor e felicidade!
Não queres mandar-me esta palavra apenas?
Olha, manda então...brandas...serenas...
Cinco pétalas roxas de saudade...
Florbela Espanca
(1894-1930)
terça-feira, outubro 03, 2017
ESCREVER UM ADEUS
.
"Escrever um adeus nunca é fácil
e senti-lo é bem pior.
Agora, sem o fulgor do teu reflexo
o céu vai perdendo a luz, a vida não tem cor
e a sombra de mim quase não a encontro.
Acho que entrei num horizonte distante
onde as luzes se apagam lentamente
talvez esperando, quem sabe, um pôr de sol."
.
albino santos
( in "Entre Margens/Excerto)
quinta-feira, setembro 28, 2017
NAVEGO NOS SENTIRES
navego nos sentires,
em palavras escritas
semeadas com afectos.
.
navego no toque do prazer...
envolvida no olhar fugaz
sedento das marés do mar
.
em palavras escritas
semeadas com afectos.
.
navego no toque do prazer...
envolvida no olhar fugaz
sedento das marés do mar
.
navego nos sonhos
em encontros secretos,
nos murmúrios entre sussurros
ou nos sorrisos de um lábios ocultos
.
navego numa teia
confusa e disforme,
do lado de lá da janela interdita
sobre uma mágoa salgada.
.
navego fundida no desfrutar do silêncio
sem hora, onde sou cicuta sem segredos!
.
helena maltez
.
em encontros secretos,
nos murmúrios entre sussurros
ou nos sorrisos de um lábios ocultos
.
navego numa teia
confusa e disforme,
do lado de lá da janela interdita
sobre uma mágoa salgada.
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navego fundida no desfrutar do silêncio
sem hora, onde sou cicuta sem segredos!
.
helena maltez
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FLASHBACK
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As mãos acariciam o corpo Como numa tarde já longínqua Os lábios tocam-se frementes Como da primeira vez … Encostas-te sedutora Com teus o...
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